Só me estou a lembrar de uma palavra: partiste.
E eu para continuar não!
Sentados no meio das azedas,
Encostadas cabeças ledas,
Pena alta à vista feita lampião,
Aquele silêncio interminável...
Não sei o que pensar...
Mãos na terra como mel,
Algo mágico num papel.
Não há tempo, só para pensar...
Já é de manhã.Reticências, 27.12.2006
Foto: Joana Martins
Porque não comandamos
Não podemos nada
Não vivemos de comandos
Porque é a vida errada?
Porque há um destino
Que vive com o coração
Talvez ele seja um menino
Pode ele dizer, não?
Porque não sabemos
Nós aprendemos, conhecemos
Somos aquilo que vivemos
Porque é assim, bem sabemos
Porque tudo são nulos
São bocados vazios
Momentos tristes, casulos
Porque é assim..
Porque nuns dias tristes
Noutros mais alegres
Somos às vezes felizes
Porque vivemos entregues
Porque aceitamos tudo
Ou então não queremos
Tudo às vezes é errado
Parece que de alma morremos
Porque perguntamos?
Porque afirmamos.
Porque mandamos!
Porque...
Porque não somos construídos
Vamos construindo
Somos apenas indivíduos
Porque podemos ser vividos
Porque é a vida
Porque a vivemos
Porque temos de aceitar
Porque nós, não morremos!
Carolina Sales
Páginas soltas
Que nem a caneta viu nem escreveu
Brancas, leves, finas
À espera de serem escritas
Páginas soltas
Brancas, leves, finas
Sem uma estória para contar
Sem uma vida nem passado nem presente
Esperam o texto que as preencha
Palavras que signifiquem algo
Para que juntas formem um livro
Talvez duas apenas ou um conjunto de três
Por enquanto páginas soltas
Brancas, leves, finas
Sem provarem um trago de cerveja
Sem pecado
Sem amor
Nem palavras
Texto: .Desconhecido
Foto: Gonçalo Morais
O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo,
de veado,
de rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura, monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã na sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus
e dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humanidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente
como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo. E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia,
corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é a transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gasifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas.
O actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor,
como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomima.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral
O actor em estado geral de graça.
Herberto Helder
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